A garoa fina caía enquanto ela assistia o mundo se movimentando do outro lado da janela.
O cheiro do café invadiu o quarto, a vizinha sempre preparava o café no mesmo horário, e essa era a única promessa de permanência em que ela acreditava, pelo menos enquanto uma das duas não se mudasse dali.
O apartamento com paredes pintadas com tons pastéis falava mais sobre a moradora do que sobre a moradia. Ela era suave, delicada, era um poço de sentimentos, protegida por paredes, janelas fechadas, e uma porta trancada… A garoa fina caía lá fora, ela continuava lá dentro.
Ela tinha algo contra garoas.
A garoa fina, quase vaporizada, embaçava o vidro da janela, mexia com a memória dela, a garoa fina era perfeita para representar sentimentos dosados à conta-gotas, beijos regulados, mãos nos bolsos para evitar o toque, a garoa era o medo de ser chuva, ela gostava de chuvas, tempestades, gotas pesadas que encharcam os cabelos, as roupas, e correm o corpo e as ruas. A garoa fina era o medo de amar.
Em dia de garoa era melhor ficar em casa, lá as paredes são de tons pastéis e de manhã tem cheirinho de café. Ela era feita pro Sol e pra Chuva, garoa não era pra ela.